11 de abril de 2009

O supérfluo do consumo

Uma sociedade de consumo não é aquela na qual as pessoas simplesmente compram produtos. Isso aconteceu e acontecerá em qualquer grupo social, sempre. Esse conceito é adequado para uma forma de vida que se caracteriza predominantemente pela compra de produtos supérfluos. Uma sociedade em que se compram carros para transporte, não é uma sociedade consumista. Outra, na qual os carros são adquiridos para simbolizar algo, seja o status ou a identidade, essa, sim, pode ser chamada de sociedade de consumo, ou ainda uma sociedade consumista. Não é, assim, o fato de consumir, mas o consumo de bens simbólicos, logo, numa lógica utilitarista, de supérfluos.

Em uma sociedade de consumo é preciso haver uma cultura de consumo. É preciso, mais que isso, que se definam personalidades que, através do consumo, se estruturem e definam. Assim, o que se pode chamar de supérfluo – em um carro, a marca, a aerodinâmica, a potência do motor e, principalmente, a identidade que a publicidade lhe confere – é o que define a personalidade consumista. O que esta busca jamais está relacionado à utilidade do produto que consome, mas ao lugar simbólico que ocupa.

O símbolo é uma abstração com uma articulação inequivocamente arbitrária. Não há qualquer relação entre o símbolo e o significado que lhe é atribuído. Se houver, passaria a se chamar ícone. Nem mesmo a tênue identidade que define um índice pode ser encontrada no símbolo. Isso, é claro, se tomarmos de forma impecável a semântica de cada termo. Esse terreno, o do simbólico, parece bastante propício para a ação ideológica, ou, se poderia dizer, vive essencialmente submetido a ela.

O uso do símbolo é fundamental para o consumo do supérfluo. O vínculo entre o símbolo e seu significado tem um singular caráter arbitrário. O completo vazio existente entre o que é simbolizado e o símbolo está preenchido por um complexo de referentes, “representações”, ou “objetos”, diria a psicanalista Melanie Klein. O interessante é notar que esses referentes são ali postos de forma articulada, muito embora a articulação entre eles não seja mais do que um artifício. E é nesse terreno eminentemente artificial, aquele que Jean Baudrillard localiza no simulacro, que encontramos a matéria prima do edifício do consumo.

Simular, nesse caso, não é exatamente fazer parecer real o que não é real. É substituir o real, que, assim, acaba tragado pela simulação. A esse fenômeno, Baudrillard enuncia se tratar de um hiper-real: uma realidade mais real do que o próprio real, simplesmente porque é articulada de uma forma em que não há lacunas, hiatos ou dúvidas. Dir-se-ia o real desvendado, como se isso fosse possível. Uma ilusão estonteante e absolutamente nefasta.

O sujeito simbólico da sociedade de consumo torna-se, desse modo, um impotente político. Tem não apenas seu pensamento e seu comportamento controlado de fora, por outrem, mas, fundamentalmente, toda a sua subjetividade. Torna-se, no dizer de Slavoj Zizek, algo como um robotic pupet, um fantoche maquinicamente animado. Movimenta-se entre símbolos arbitrariamente postos e os identifica como seus, entende-se como autor dessa pantomima, quando evidentemente não é.

A sociedade de consumo, como dito, é a sociedade do supérfluo. Não exatamente no que diz respeito ao consumo, é preciso dizer. Todo o élan criativo, toda e qualquer manifestação de singularidade, tudo aquilo que faz com que a vida possa ser chamada de vida no seu pleno significado é que é realmente supérfluo. Em outras palavras, o que é extravagantemente desnecessário é tomado como fundamental, enquanto o que define a vida, o que oferece a plenitude da posse e do compartilhamento da existência, é completa e resolutamente inútil.

Ao tornar o excedente a principal meta, a sociedade de consumo esconde a miséria do que lhe falta. E esbalda-se em sua própria miserabilidade.

Luiz Geremias – 26/5/2008

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