11 de abril de 2009

E, no entanto, ele passa...

Uma das características da vida pós-moderna, dizem, é o abandono do conceito de identidade. Michel Maffesoli chega a dizer que não há mais como falar nisso, pois viveríamos o tempo da identificação. Essa seria uma resposta, para alguns, revolucionária, de grande importância na transformação dos costumes ocidentais, ou, para outros, evolutiva, uma nova mentalidade para um novo tempo, à rigidez da identidade moderna. O conceito de identidade, de “eu”, possuía uma pesada solidez, uma unicidade indisfarçável. Já o “eu” pós-moderno é jovem, dinâmico e multifacetado. A identidade é substituída pelas máscaras que variam conforme a identificação.

Até certo ponto da história do ocidente, as características da identificação pós-moderna eram atribuídas ao adolescente. Já no século XIX, essa fase da vida começou a ganhar atenção do discurso médico e a ser definido como um momento de instabilidade e incertezas, um vácuo no qual se deixava de ser criança e se entronizava no mundo adulto, isto é, assumia-se uma identidade. Esta permaneceria por toda a vida, ou quase.

Observando as características da cultura e da sociabilidade na sociedade ocidental contemporânea, é possível dizer, assim, que, aparentemente, todo o ocidente se transformou num continente de adolescentes, ou, melhor dizendo, de jovens. Como bem entende Beatriz Sarlo: A infância quase desapareceu, encurralada por uma adolescência precocíssima. A primeira juventude se prolonga até depois dos 30 anos. Um terço da vida se desenvolve sob o rótulo de juventude, tão convencional quanto quaisquer outros rótulos.

Grandes quantidades de “jovens” de todas as idades se reúnem em grandes shows, abdicam de seu “eu” – no sentido clássico, indivisível – e se fragmentam como partes da multidão em veneração a seus ídolos. Vivenciam um grande corpo coletivo e é este quem lhes diz quem são. Por outro lado, constituem-se como nichos de consumo na medida em que grupos se destacam do todo para formalizar pequenas experiências estéticas, como vestir-se de certo modo – via de regra, anárquico, ou supostamente anárquico, já que é pastiche –, escutar certo tipo de música, dançar de certa maneira etc. Irmanados, sempre, pela égide da rebeldia.

Acompanhando Sarlo, é possível dizer, nessa conjuntura, que alguém sugere ao corpo coletivo quem ele é, isto é, lhe fornece os parâmetros subjetivos segundo os quais se dá a identificação. Segundo ela, consumidores efetivos ou consumidores imaginários, os jovens encontram no mercado de mercadorias e bens simbólicos um depósito de objetos e discursos fast preparados especialmente. A autora lembra que a obsolescência acelerada, fruto da velocidade de circulação, determina que tudo deve ser novo, o que é fundamental para o capitalismo. Inegável é, como Sarlo deixa claro, que nunca as necessidades do mercado estiveram afinadas tão precisamente ao imaginário de seus consumidores.

A identidade parece ter se fragmentado para encontrar definição na vivência caótica da transgressão rebelde, que, por sua vez, funciona como um fractal . E nesse arranjo fractal, em meio ao caos, surge a ordem. E nesse fractal a forma que se reproduz é a da adolescência eterna, sempre instável, em perene mutação. É preciso, então, observar o fundo que conforma e define essa figura.

Diz Sarlo, com sagacidade, que se é verdade que as identidades quebraram, entre seus cacos não ficou o vazio. Ficou o mercado. Por isso, é possível dizer que o pop se constitui como um rito de iniciação ao consumo, uma manifestação cultural dos que mudam todo o tempo para permanecer no mesmo lugar. Mais que isso. Parece se constituir como a frágil garantia de que o tempo não passará.

E, no entanto, ele passa.

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