27 de março de 2009

Que caretice, hein?


Costuma-se refletir muito pouco sobre os “movimentos jovens” dos anos 60-70. Quase nada se pensa porque o significado e o sentido desses “movimentos” são quase consensualmente entendidos como transformadores, como sementes de transformações e revolucionários.

Alguém lembra Elvis, vem à cabeça o desafio de suas reboladas diante das câmeras de televisão, que só lhe podiam captar da barriga para acima. Ou o punk, com suas ultrajantes aparências, seu vocabulário chulo e sua antimúsica, pura rebeldia, pensamos. Isso sem falar da língua de Mick Jagger, das seringas de Lou Reed, da poesia e das bebedeiras de Jim Morrison, de Bob Dylan e suas baladas pacifistas.

A impressão que se tem é que houve uma brutal modificação dos costumes e, principalmente, que foi gerada por uma geração de jovens. Que o mundo adulto caiu por terra e confiar em alguém com mais de 30 passou a ser quase crime inafiançável.

Bobice, diria eu. Não houve nada disso. E, hoje, com a compreensão que é possível ter da sociedade gerada a partir da guinada jovem, pode-se dizer mesmo que não houve qualquer alteração a não ser a eclosão de uma sociabilidade de total controle através do que se pode definir genericamente como “cultura consumista”.

Falemos do “velho e bom” rock’n’roll. Apesar de sabê-lo umbilicalmente atado à produção da velha indústria cultural, ou seja, moldado e difundido por meios de comunicação de massa, ainda há quem queira ver nele uma libertária linguagem universal da juventude.

Trata-se, na verdade, de uma linguagem da juventude, mas claramente estereotipada e nada libertária. E mais: “representa” uma crítica ao sistema industrial, à sociedade moderna “sólida” – num termo de Zygmunt Bauman – etc. etc. No entanto, não é, efetivamente, uma crítica, mas, repito, uma representação. E há uma distância abissal entre uma coisa e a sua representação. Razão pela qual a subcultura roqueira deve ser entendida como conformista. Jamais intentou transformar ou revolucionar nada na medida em que resolveu representar uma guerra ao invés de fazer a guerra.

Surge, nos sixties, a crítica jovem pré-moldada, a absorção infantil dos elementos de reforço ao sistema capitalístico, como se estes fossem ácidos corrosivos para sua base – mas o ácido lisérgico, na verdade, não corrói nada além da cognição do usuário. Nelson Rodrigues, com seu muitas vezes brilhante reacionarismo, já dizia que o jovem tem todos os defeitos do adulto com a adição da inexperiência. Sem dúvida, ao estudar a “revolta jovem” e seus sucedâneos, é preciso concordar com ele. E, da mesma forma, entender, com Erich Fromm, que o rebelde só pretende tomar o lugar do inimigo para ser como ele.

Se formos mais longe, vamos nos alarmar, pois toda a mentalidade sofisticada de consumo que surge a partir dessa “revolta” pode ser observada, hoje, em todas as idades. Ser jovem passou a ser bom. Melhor que bom: obrigatório. Não qualquer tipo de jovem, é claro. Como lembra Beatriz Sarlo, o jovem Fidel Castro não tem nada a ver com o “adolescente congelado” Mick Jagger. A juventude ideal e obrigatória destes tempos pós-modernos é a de um robotic puppet disciplinado para a rebeldia, que pretende parecer revolucionário, mas jamais fará uma revolução.

Assim, pode-se ver, se consegue mudar todos os dias, mantendo tudo como está, ou seja, sem alterar um milímetro a realidade. Em outros termos, isso se chama “conservadorismo”. E, em palavras mais diretas, era exatamente isso o que a “revolta jovem” dizia combater. Que caretice, hein?

Luiz Geremias

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