4 de junho de 2009

Padrões de manipulação na grande imprensa

Tudo se passa como se a imprensa se referisse à realidade apenas para apresentar outra realidade, irreal, que é a contrafação da realidade real. Podemos usar o modelo do “Espelho Deformado”: a imagem do espelho tem algo a ver com o objeto, mas não só não é o objeto como também não é a sua imagem; é a imagem de outro objeto que não corresponde ao objeto real.

Por que o público acredita nessa imagem? O público é fragmentado no leitor ou no telespectador individual, ele só percebe a contradição quando se trata da infinitesimal parcela da realidade da qual ele é protagonista, testemunha ou agente direto, e que, portanto, conhece. A outra parte, todo o resto, ele apreende por conhecimento, por ler ou ouvir dizer. Essa parte é aquela que a imprensa forma, “informando”. Temos, assim, que a maior parte dos indivíduos move-se num mundo que não existe, e que foi artificialmente criado para ele justamente a fim de que ele se mova nesse mundo irreal.

Manipulação de informação é, então, manipulação da percepção de realidade.

Os padrões
A manipulação ocorre de várias e múltiplas formas. Nem todas as matérias jornalísticas podem ser consideradas como manipuladoras, mas a gravidade do fenômeno decorre do fato de que ele marca a essência do procedimento geral do conjunto da produção cotidiana da imprensa, embora muitos exemplos ou matérias isoladas possam ser apresentados para contestar a característica geral.
Podemos distinguir, pelo menos, 4 padrões de manipulação gerais para toda a imprensa e mais um específico para o telejornalismo:

1. Padrão de ocultação:
Alguns fatos são considerados “jornalísticos”, outros não. Há uma seleção do que apresentar ao público, o que “é notícia”. Para o jornalista, há o “fato jornalístico” e o “fato não-jornalístico”, logo ele deve apresentar o primeiro e ocultar o segundo. Essa concepção acaba funcionando, na prática, como uma racionalização a posteriori do padrão de ocultação na manipulação do real.
O fato não é jornalístico ou não-jornalístico em si. As características jornalísticas, quaisquer que elas sejam, não residem no objeto da observação, e sim no sujeito observador e na relação que este estabelece com aquele. Todos os fatos, toda a realidade pode ser jornalística, e o que vai tornar jornalístico um fato independe das suas características reais intrínsecas, mas depende, sim, das características do órgão de imprensa, da sua visão de mundo, da sua linha editorial, do seu “projeto”.
O fato real ausente deixa de ser real para se transformar em imaginário. E o fato presente na produção jornalística, real ou ficcional, passa a tomar o lugar do fato real e a compor, assim, uma realidade diferente da real, artificial, criada pela imprensa.
Este é um padrão que opera principalmente na pauta.

2. Padrão de fragmentação:
Feita a seleção do que é jornalístico e não-jornalístico, o material selecionado é estilhaçado, despedaçado, fragmentado em milhões de minúsculos fatos particularizados, na maior parte das vezes desconectados entre si, despojados de seus vínculos com o geral, desligados de seus antecedentes e de seus conseqüentes no processo em que ocorrem. Geralmente são reconectados e revinculados de forma arbitrária e que não corresponde aos vínculos reais, mas a outros ficcionais e artificialmente inventados.
Inclui duas operações básicas:
2.1. A seleção de aspectos, ou particularidades, do fato: como na ocultação, depois de fragmentado, o fato tem suas partes de interesse para o veículo selecionadas para apresentação ao público.
2.2. A descontextualização: isolados como particularidades de um fato, o dado, a informação, a declaração perdem todo o seu significado original e real para permanecer no limbo, sem significado aparente, ou receber outro significado, diferente e mesmo antagônico ao significado real original.
O padrão de fragmentação ocorre também na pauta, mas principalmente na apuração, na produção da matéria e na edição.

3. Padrão de inversão:
Depois de selecionado o “fato jornalístico”, depois de fragmentado e resignificado, há a inversão, isto é, o reordenamento das partes, a troca de lugares e de importância dessas partes, a substituição de uma por outras. Há várias formas de inversão. As principais são:
3.1. Inversão da relevância dos aspectos: o secundário é apresentado como o principal e vice-versa; o que é acessório e supérfluo são apresentados no lugar do que é importante e decisivo. O pitoresco, o esdrúxulo, o detalhe, se tornam essenciais.
3.2. Inversão da forma pelo conteúdo: o texto passa a ser mais importante que o fato que ele reproduz.
3.3. Inversão da versão pelo fato: a versão importa mais que o fato. O veículo renuncia a observar e expor os fatos e prefere apresentar as declarações, suas ou alheias, sobre esses fatos. Se o fato não corresponde à versão, deve haver algo errado com o fato. Tem duas formas:
3.3.1. O frasismo: a frase, ou pedaços da frase, substitui o fato. Uma frase, um trecho de frase, às vezes uma expressão ou uma palavras, são apresentados como a realidade original.
3.3.2. O oficialismo: a versão de alguma autoridade – que guarda identidades com os interesses do veículo – prevalece sobre o fato. Este some para dar lugar à “versão oficial”.
3.4. Inversão da opinião pela informação: a informação, o relato do fato, é trocado pela opinião do veículo. O juízo de valor é inescrupulosamente utilizado como se fosse um juízo de realidade, quando não como se fosse a própria mera exposição narrativa/descritiva da realidade. Esta inversão é operada pela negação, total ou quase total, da distinção entre juízo de valor e juízo de realidade. Não se reflete, assim, nem a realidade nem essa específica parte da realidade que é a opinião pública ou do seu público. Este recebe a opinião, autoritariamente imposta, sem que lhe sejam igualmente dados os meios de distinguir ou verificar a distinção entre informação e opinião. Esta passa a ser não apenas o eixo principal da matéria, mas sua principal ou única justificativa de existência. A informação, quando existe, serve apenas de mera ilustração exemplificadora da opinião adrede formada e definida. Essa inversão pode assumir caráter tão abusivo e absoluto que passa a substituir a realidade até aos olhos do próprio órgão de informação.
O padrão de inversão ocorre principalmente na edição.

4. Padrão de indução:
O leitor é induzido a ver o mundo não como ele é, mas sim como querem que ele seja. O público é excluído da possibilidade de ver e compreender a realidade e induzido a consumir outra realidade, artificialmente inventada. O padrão de indução é o resultado e, ao mesmo tempo, o impulso final da articulação combinada dos outros padrões de manipulação.
Ocorre na pauta, na apuração, na produção e na edição, mas ultrapassa todos esses processos na medida em que os abarca.

5. Padrão global ou o padrão específico do jornalismo de televisão e rádio:
O jornalismo de TV e Rádio passa por todos os 4 padrões de manipulação, mas tem um que é específico. A expressão “global” é utilizada para significar total, completo ou “redondo”, isto é, do problema à sua solução. Se divide em 3 momentos básicos:
5.1. A exposição do fato: este é apresentado sob os seus ângulos menos racionais e mais emocionais, mais espetaculares e mais sensacionalistas.
5.2. A “sociedade fala”: imagens e sons mostram detalhes e particularidades, principalmente dos personagens envolvidos.
5.3. A autoridade resolve: a autoridade reprime o Mal e enaltece o Bem e também anuncia as soluções para o problema apresentado. A autoridade tranqüiliza o povo, desestimula qualquer ação autônoma e independente do povo, mantém a autoridade e a ordem, submete o povo ao seu controle. Ao final da matéria, o veículo apóia a autoridade ou a critica, quando a mensagem da autoridade não é suficientemente controladora ou satisfatória aos interesses do órgão de comunicação.

Pronto. A transformação está completa. A realidade foi substituída por outra realidade, artificial e irreal, anti-real, e é nesta que o cidadão tem que se mover e agir. De preferência, não agir!


Adaptado por Luiz Geremias de ABRAMO, Perseu. Padrões de manipulação na grande imprensa. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.

Um comentário:

  1. Fantástico !
    Que bom que fui o primeiro a comentar, espero que com o tempo, as pessoas despertem dessa hipnose coletiva e divulguem esse tipo de informação.
    Vou indicar o link no Facebook ! Grato !

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